quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Mães opinam, mas médicos definem parto

SAÚDE FEMININA

Mães opinam, mas médicos definem parto


Embora gestantes queiram nascimento humanizado, decisão
quase sempre cabe ao profissional, mostra pesquisa da UnB
O parto humanizado, preferido pelas mães, ainda enfrenta a resistência de grande parte dos médicos, principalmente nos hospitais privados, comprova uma dissertação de mestrado da Universidade de Brasília (UnB).
No trabalho Humanização do parto nos contextos público e privado no Distrito Federal, defendido pela pesquisadora Ticiana Ramos Nonato no Departamento de Sociologia da universidade, a socióloga compara o tratamento dispensado às gestantes em hospitais públicos e privados, baseando-se em uma Casa de Parto em São Sebastião e um hospital privado no Plano Piloto, distantes apenas 30 km.
Décadas atrás, o procedimento era o mais natural possível. Hoje, mesmo com as diferentes intervenções cirúrgicas e avançados aparatos tecnológicos, muitas mães preferem dar à luz do jeito antigo. As gestantes têm optado pelo chamado parto humanizado, que prega o mínimo de traumas cirúrgicos desnecessários e apresenta benefícios para a mulher, entre eles menor período de recuperação.
Ao comparar as duas instituições, Ticiana pôde avaliar as características que definem os procedimentos do parto humanizado no Brasil. "A idéia é que a mulher seja bem informada sobre tudo o que envolve o parto antes de dar à luz.
Assim, ela poderá escolher o que lhe parece melhor para o nascimento de seu filho", explica a pesquisadora. Nesse tipo de parto, as pessoas envolvidas, tanto as mulheres como os profissionais, procuram utilizar procedimentos não-invasivos de resultados efetivos. Outro ponto fundamental é a oportunidade de escolher como será o parto, um direito das mulheres.
"No parto humanizado, a mulher se transforma em protagonista. É ela que vai decidir como, onde, e com quem o procedimento deve acontecer. Esse tipo de procedimento parece normal, mas não é. Hoje, são os médicos que definem como o parto será realizado", afirma. "Infelizmente, na maioria dos casos, a decisão não é das mulheres."
Ticiana acompanhou 15 mães (sete atendidas pelo setor público e oito pelo privado) nos períodos pré e pós-parto. Também entrevistou 14 profissionais de saúde (oito do setor público e seis do privado) envolvidos na assistência humanizada aos nascimentos. Depois de mais de 40 entrevistas, a pesquisadora conseguiu identificar os méritos e as falhas de cada tipo de serviço. O trabalho teve orientação da professora Lourdes Maria Bandeira.
PRIVADO – No hospital privado, a mãe dispõe de diferentes possibilidades de planejamento. As ações são de cunho pessoal, variam de mulher para mulher e de médico para médico. Mesmo porque os obstetras não costumam ser ligados às instituições. Ou seja, não existe um modelo de tratamento específico e abrangente quando se trata do parto humanizado. Ele é personalizado de acordo com a relação estabelecida entre a gestante e o profissional que a acompanha.
Esses hospitais até oferecem cursos informativos gratuitos para as gestantes, apresentando diferentes possibilidades para dar à luz, mas a decisão final acaba quase sempre sendo do médico. Na pesquisa feita pela socióloga, apenas dois dos seis partos acompanhados no hospital do Plano Piloto foram vaginais, apesar de todas as mães terem optado por ele.
Existe uma razão econômica pela preferência das cesarianas. "São procedimentos mais rápidos e têm hora para terminar. Um médico faz até quatro cesarianas no mesmo dia. Já um parto vaginal pode durar mais de 12 horas." Como resultado, cerca de 80% dos partos no serviço privado brasileiro são feitos por cesariana. "O Brasil é um dos campeões mundiais nessa modalidade", afirma Ticiana.
Entretanto, o fator econômico não atua isoladamente. Existe um contexto cultural complexo que envolve as altas taxas de cesariana, desde a formação dos profissionais que acompanham o parto, passando pelas representações do parto vaginal na mídia, até as escolhas das próprias mulheres. "A evolução dos procedimentos médicos para os casos de necessidade não acompanhou uma discussão pública sobre esse momento importantíssimo na vida sexual e reprodutiva das mulheres e, também, dos seus companheiros, que cada vez mais participam do processo", afirma Ticiana. "O parto ainda é um grande tabu."
PÚBLICO – Para estudar o contraponto público, a pesquisadora investigou os procedimentos realizados em uma casa de parto em São Sebastião. Nessas instituições, criadas pelo Ministério da Saúde como parte de uma política de humanização da assistência ao parto e redução das taxas de cesariana, são feitos apenas partos vaginais de baixo risco. Caso sejam necessárias intervenções cirúrgicas, as ambulâncias mantidas pelas casas conduzem as gestantes a um hospital previamente estabelecido como referência. Isso aconteceu com três das sete mulheres acompanhadas por Ticiana. Toda elas, mesmo as que tiveram de ser conduzidas ao hospital, passaram por parto vaginal.
Outro ponto que singulariza o tratamento dispensado pelo serviço público às mães é o caráter uniforme de suas ações. Os procedimentos são padronizados, pois o conceito de parto humanizado é institucional. Só que, de acordo com as análises da pesquisadora, apesar de o assunto ser trabalhado brevemente nas palestras de pré-natal, as mães não têm uma noção muito clara de suas opções.
Em geral, elas sequer conseguem imaginar como pode ser o seu parto e como gostariam que ele acontecesse. Além disso, após o procedimento, não dispõem de uma perspectiva crítica sobre o evento, aceitando o parto "como tem de ser", o que significa um parto despersonalizado, no qual muitas intervenções ocorrem à sua revelia. A dor inevitável e o medo foram as únicas expectativas manifestadas por essas mulheres em relação ao parto.
HUMANIZAÇÃO – "A proposta de humanização apresenta vários avanços, mas ainda falta muito para se concretizar", analisa a pesquisadora. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um máximo de 15% do total de partos por cesariana, e a utilização de episiotomia (corte feito entre a vagina e o ânus para ajudar no parto) também em apenas 15% dos casos. Entretanto, segundo Ticiana, a média brasileira de cesarianas está acima de 30%.
O Ministério da Saúde incentiva a formação de doulas (do grego "mulher que serve") comunitárias, para acompanhar as mães durante e após o parto, e a pesquisadora considera excepcional a instalação de suítes de parto no setor público. "Mas isso não basta. É preciso proporcionar à mulher a oportunidade de vivenciar esse momento plenamente." Ticiana critica a formação dos médicos. "Eles são treinados para fazer as intervenções cirúrgicas, e não para identificar a necessidade de adotar esse procedimento."
CONTATO
Pesquisadora Ticiana Ramos Nonato pelo e-mail ticianarn@yahoo.com.br ou pelo telefone 3468-8113

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